AMAZONAS – Nova Olinda do Norte vive um novo tempo em sua cultura popular. O Boi de Chão, manifestação autêntica do povo novolindense, vem se consolidando não apenas como uma atração artística, mas como uma verdadeira reconstrução identitária. O que era, até pouco tempo, um festival que se moldava à imagem dos grandes bois do estado, hoje retoma com orgulho suas origens e peculiaridades locais.
As apresentações começaram nas quadras das escolas e nas ruas da cidade, onde crianças, professores e comunidades criavam seus bois com o que tinham: pano, madeira, barro e criatividade. O palco era o chão. O brilho vinha da paixão. E foi com esse espírito que o Boi de Chão cresceu.
Após a pandemia, a Prefeitura Municipal, junto das associações folclóricas Boi de Chão Corre Campo e Diamante Negro, repensaram o festival. Em 2023, o evento foi reorganizado para resgatar suas raízes e se afastar da tendência de imitar o modelo parintinense. O objetivo passou a ser claro: criar e consolidar uma identidade cultural genuinamente novolindense.
Uma das principais mudanças foi na estrutura dos itens. Não se fala mais em Sinhazinha da Fazenda — afinal, Nova Olinda não é marcada por grandes latifúndios. Em seu lugar, surgiu a Cabocla Ribeirinha, que representa com leveza e graça a menina do interior amazônico, conectada com o rio, a floresta e a tradição local.
Também não há mais o Amo do Boi. Aqui, o protagonista é o Versador — uma figura típica do interior, o contador de histórias que, com criatividade e improviso, conduz desafios poéticos, exalta o seu boi e interage com a galera. É ele quem transmite a cultura popular com rima, crítica e emoção.
Outro destaque é a musicalidade. Enquanto em outras praças predomina o boi-bumbá, aqui, o ritmo que domina é a Ritmada — mais dançante, mais marcada, com uma batida que contagia e carrega a força da Amazônia em cada compasso.
Nas tribos, não há pajé. Há o Xamã — figura espiritual que preside os rituais e representa o elo entre a tradição indígena e a conexão com o sagrado. Ele não apenas dança, ele guia a narrativa.
Os Povos Originários, item coletivo, são retratados com fidelidade às etnias que historicamente habitaram o território de Nova Olinda, como os Mura, Munduruku e Maraguá. Suas danças, trajes e símbolos são cuidadosamente pesquisados e levados à arena com respeito e autenticidade.
Outro avanço foi a criação da Etnia Coreografada, item que substitui a antiga organização do conjunto folclórico. Ele tem gerado impacto real na juventude: grupos de jovens estão se formando, ensaiando e se apresentando, ingressando na elite cênica da cidade e devolvendo à nova geração o desejo de fazer parte do boi.
Um exemplo prático dessa transformação é a mudança no perfil dos participantes. Antes, quando o modelo era inspirado no boi-bumbá, cerca de 90% dos itens individuais e dos grupos tribais eram compostos por pessoas de fora, especialmente vindas de Parintins. Hoje, esse cenário se inverteu: a maioria dos itens individuais são representados por artistas da terra, e os grupos cênicos estão sendo formados por jovens e adolescentes oriundos das escolas locais, o que reforça o sentimento de pertencimento e continuidade.
Embora os módulos alegóricos não tenham protagonismo nem recebam pontuação direta, eles são permitidos como apoio nos itens de Ritual e Lenda Amazônica, enriquecendo visualmente a narrativa. Os bois, inclusive, já começam a readaptar suas estruturas, trazendo de volta suas alegorias com a grandiosidade tradicional, porém adaptadas ao contexto do boi de chão, onde o corpo, a interpretação e a movimentação são os verdadeiros destaques.
Esse processo não é apenas técnico, mas emocional e simbólico. A cidade reencontrou no Boi de Chão uma forma de se reconhecer. O festival deixou de ser apenas um espetáculo de uma noite e voltou a ser um movimento de pertencimento, que desperta no povo a vontade de estar presente, de fazer parte, de vibrar com sua cultura.
Como afirmou Adenilson Lima Reis, ao apresentar o resultado da reestruturação do festival em 2023:
“O Nordeste tem o Bumba Meu Boi, Parintins tem o Boi-Bumbá, e Nova Olinda do Norte tem o Boi de Chão!”
Hoje, a administração da prefeita professora Araci e do vice-prefeito Dr. Cristian Martins segue dando continuidade a esse projeto, garantindo apoio, estrutura e valorização da cultura local. Com planejamento, diálogo e compromisso com a identidade do povo, o Boi de Chão já não é uma releitura — é a versão original de uma cidade que aprendeu a se orgulhar de si mesma.
Veja fotos do Festival:






